sexta-feira, 7 de outubro de 2011

FOLHAS AO VENTO - segunda viagem


FOLHAS  AO  VENTO
segunda viagem

Seis poemas de Salvatore Quasimodo
e alguns poemas meus rabiscados nas folhas de um  livro seu


Há poemas que acompanham uma pessoa por longos trechos de uma vida inteira. Carlos Drummond de Andrade, Manoel Bandeira e João Cabral de Melo Neto, desde quando eu ainda estudava no Colégio Andrews, na Praia de Botafogo (onde nunca tomei banho de mar). Sosígenes Costa, Georgis Seféris, Rainer Maria Rilke e Salvatore Quasimodo, (CONFERIR) desde quando eu já vivia longe do mar, e escrevia os meus poemas “da maturidade” (mas... quando é que ela chega? E quando é que ela vai embora?).
Os poemas de Salvatore Quasimodo trazidos a esta quinta viagem de nosso FOLHAS AO VENTO, são de seu livro traduzido para o Português: Poesias, com seleção, tradução e notas de Geraldo Holanda Cavalcanti.
Como costumo fazer há anos, como um exercício de aprendizado de poesia, revisitei as traduções e as reescrevi livremente, segundo o meu desejo de relê-las. Algo que jamais faria para uma publicação oficial.
Quanto aos meus poemas (Salvatore que me perdoe), são escritos ‘no calor da hora”,  rabiscados, quase sempre em ou entre viagens. Pois muito raramente escrevo poesia quando estou em casa. Como de costume, rabiscado a mão (claro) nas folhas de livros de autores que vão de antropólogos (raramente inspiradores) a poetas.
No caso de meus poemas desta série a página indicada é a do lugar em que o poema - (ou um fragmento de põem -  foi escrito.  








Os seis poemas de Salvatore Quasimodo

E de repente é noite

Cada um está só no coração da terra
traspassado por um raio de sol:
e, de repente, é noite.

Página 19








Antigo inverno

Desejo de tuas mãos claras
na penumbra da chama:
cheiravam a carvalho, a rosas
e a morte. Antigo inverno.

Procuravam milho os pássaros
e eram, súbito, como a neve;
assim as palavras.
Um pouco de sol, um halo de um anjo,
e logo a névoa e mais as árvores,
e nós feitos do ar do vento na manhã.

Página 37















A gralha ri, negra na laranjeira

Quem sabe? É isto o que se chama vida:
cantando ao meu redor e ritmadas,
oscilando as cabeças em cadência
no paio da igreja dançam as crianças.
A paz da tarde, sombras reacesas
no gramado límpido de verde,
tão belas, tanto, sob a luz da lua!
Dorme teu breve sono da memória
e acorda agora. Vê, borbulha no poço
uma primeira onda. Chegou a hora:
já não minha, secas imagens e distantes.
E tu, vento do sul cheirando a cedro,
empurra a lua para onde dormem
crianças nuas. Força o potro aos campos
úmidos do passar das éguas. Abre
o mar, levanta sobre as árvores as nuvens:
a garça já caminha para a águas
e, lenta, pisa com os olhos a lama entre espinhos,
a gralha ri, negra nas laranjeiras.

Página 105





















Que desejas, pastor do ar?

E se escuta ainda o chamado da antiga
trompa dos pastores, áspero sobre os
fossos brancos como peles de serpentes.
Talvez os ventos que sopram desde os altos
de Acquaviva, lá onde o Plátani revolve
conchas sob a água, entre os pés de meninos
cor de oliva. Ou de que terra o soprar
do vento prisioneiro, irrompe e ecoa
na luz que já se esvai? Que desejas
pastor do ar? Chamas talvez os mortos.
Ao meu lado não ouves, confundida
pelo marulho, atento ao surdo grito
dos pescadores que recolhem suas redes.

Página 111



























Á beira do Adda

Desliza o Adda a teu lado ao meio dia,
tua sombra segues sob o rio do céu.
Aqui, onde as ovelhas pastam juntas
com as cabeças afundadas no capim,
antes saltava a prumo a água da roda
e ouvia-se a pedra na ara da moenda
e o bater das azeitonas no lagar.
Só a ti perturba este findo movimento.
Refloresce agora o buquê do sabugueiro
na sebe espessa, e o caniço balança
uma nova folhagem nas pedras do rio.
A vida que te iludiu está aqui
nos sinais destas plantas, saudação
da terra humana às nossas demandas e violências.
O reabrir-se do tronco em uma nova cor
te trás certezas,  como o ardiloso
bater do sangue, e a mão que estendida
levantas sobre a testa, para proteger a luz.

Página 151















Epitáfio para Bice Donetti

Com os olhos postos na chuva, nos elfos da noite
ei-la, na quadra quinze de Musocco:
a mulher emiliana a quem um dia amei
quando era o tempo triste da  mocidade.
Foi há pouco sorteada pela morte
enquanto quieta olhava o vento do outono
agitar os ramos dos plátanos e as folhas
de sua cinza casa de subúrbio.
Tem ainda o rosto vivo da surpresa,
Como, deslumbrado, deve te-lo tido na infância
ao ver o engolidor de fogo no alto da carroça.
Ó tu que passas, vindo de outros mortos,
defronte da tumba mil cento e sessenta,
por um minuto pára e rende uma homenagem
àquela que este homem não chorou nunca,
e que aqui fica, exilado, com os seus versos,
um com tantos, operário de sonhos.

Página 186
















Os meus  poemas e fragmentos de poemas





um

resta da manhã
o que aí está:
o teu corpo e este sol de maio.
Volta a ele o teu rosto
e o ilumina.
E depois fecha os olhos
E de repente é noite.

Na página 19
(onde está o poema: e de repente é noite)



dois

Perdoar

Busca o mel onde há o mal
E com os dedos toca com ternura
o rosto de quem te morde o rosto.
Olha no olho de quem mal te vê
e cobre com flores o que era sangue.
Tua mão e a dele são iguais, bem sabes
e sabes que quem te fere é teu irmão.

Na página 37






três

Caminhar
(como em Antônio Machado)

Caminhante,
não faço a caminho
em que caminho,
mas o caminho me faz
o seu caminho.

Se olho para trás
não vejo as marcas
que eu deixei na trilha,
mas dentro de mim eu  vejo
o sinal que a trilha me deixou.

E quando eu chego ao fim
não chego a parte alguma
além do caminho de onde eu vim.

Na página 51
























quatro

Morrer

É tão tarde agora.
Tão escuro!
Porque é que você
não levanta
e acende a luz?

Na página 53


cinco

Conhecer

Não sei quem és
Que me vens.
Não sei ainda.
Mas te sinto
quando chove
e a chuva para
e eu sei que chove
ainda.

Na página 81

Até aqui, pequenos poemas publicados anos depois  em Orar com o Corpo – poemas e preces para as horas do dia








seis

pergunta ao peixe
se ele quer ser dado
como alimento à garça?
Mas é por ele
Que ela alça vôo...

Na página 105



sete

e eu não quero
de nada ser a estrela.
Aqui me basta
ser no chão a água
que reflete a luz
da noite em maio.

Na página 117





Transcritos do livro nos dias 1 a  4 de janeiro de 2008
Carlos Rodrigues Brandão



Nenhum comentário:

Postar um comentário